sábado, 28 de maio de 2011

Estudo sobre Nietzsche:



“Uma criatura viva quer antes de tudo dar vazão
 a sua força- a própria vida é vontade de poder.”
(NIETZSCHE)

Nietzsche (1992) em sua obra O nascimento da Tragédia rompe com toda a visão tradicional da cultura ocidental acerca da tragédia grega, que a via como uma literatura calma, serena, elevada pela suas formas e estéticas perfeitas. Nietzsche (1992) irá defender justamente que existe algo além da formas perfeitas e da harmonia das palavras, trazendo assim uma nova visão sobre a tragédia e toda a cultura clássica grega.
            Por meio da leitura de Machado (1999) compreendemos que os gregos arcaicos se viam diante do grande pessimismo da sua existência miserável, onde o grande desejo se fundava no nada ser, logo esse bem é inacessível, assim emerge o desespero, pois o maior bem não se pode alcançar, o não nascer. Em meio a todo essa concepção do que seria a existência humana, a arte se origina entre os gregos como uma necessidade de vida, com isso nasce a arte apolínea ou ingênua, que seriam das epopéias homéricas, dos grandes feitos dos heróis. Pois apesar de toda o pessimismo entre os gregos, como coloca Nietzsche (1992), a vida é luta, um jogo de forças, que nunca se finda.  Assim os gregos cobriram com um véu (a arte) todo os seus terrores (caos).  
            Segundo o pensamento desse filósofo a tragédia grega e toda a cultura são formadas por dois impulsos artísticos, esses vivem um tênue equilíbrio e uma constante tensão de forças. Tais impulsos ou pulsões da natureza são representados por dois deuses Apolo - impulso apolíneo - e Dionísio – impulso dionisíaco -. Assim a arte trágica segundo a leitura da obra de Machado (1999), é a união da aparência e da essência, a demonstração que é possível a vivência da experiência dionisíaca sem ser destruído pela mesma, ou seja, é possível uma experiência de embriaguez sem perder a lucidez. A tragédia seria um equilíbrio entre a ilusão e a verdade.
            Dionísio é filho de Zeus com uma mortal, segunda conta à mitologia esse filho teve o término da sua gestação dentro da perna de Zeus. Dionísio tinha a imagem de uma pessoa gorda, projetando assim a idéia de opulência, além de feio, rompendo com o equilíbrio estético, porém sempre alegre e embriagado, sendo assim o deus das uvas e da embriaguez. Era um deus de origem bárbara, asiática.  Assim o princípio dionisíaco representa todo esse caos que a civilização tenta se afastar, sendo a potência da embriaguez, da música, da dança, do transe, da desordem. Aqui encontramos a força da contrariedade, do instinto, da desmesura, da destruição, do caos e do fundo.      
            Apolo filho de Zeus com a ninfa Leto e irmão gêmeo de Ártemis, sua imagem era retratada como esteticamente bela, perfeita e jovem. Assim a potência apolínea era representada pelo onírico, pelas formas plásticas, pelo equilíbrio, harmonia, sendo assim a imagem e as formas perfeitas. Essa força de Apolo surge da beleza, da ordem, da estética, da harmonia e da aparência. 
            Rompendo com o idealismo acerca da tragédia grega, Nietzsche (1992) quebra com toda a ingenuidade que acerca a concepção de homem criada pela tradição ocidental, mostrando que o homem é formado tanto do mais elevado (apolíneo) como do mais baixo (dionisíaco). Trazendo assim a relação trágica da vida, ou seja, a possibilidade do homem se relacionar com os limites e opostos da cultura. Dando uma valorização e afirmação radical da vida ao corpo, ao mundano, ao pulsional, à vontade de potência.    
Segundo o pensamento de Nietzsche, através da leitura de Barrenechea (2004), a civilização repousa na barbárie, encontrando nos gregos arcaicos o devir da cultura, através do meio como esses lidavam com a vida e o sofrimento, onde a vida é uma luta de forças. O bárbaro não era negado na cultura grega, uma vez que encontramos Dionísio -  seu representante, assim essa barbárie era assimilada, pois o caos e a ordem vivem em um tenso equilíbrio, sendo todas as instâncias da vida atravessadas por essas duas forças. Pois a ordem para se estabelecer necessita do caos e da desordem, uma vez que a ordem, o apolíneo, não se sustenta eternamente. Ele apenas encobre o caos da existência humana. Desse modo seria impossível distinguir dentro de uma sociedade os impulsos ditos civilizatorios dos bárbaros.   
Assim a civilização vive um conflito interno constante de tentar se distanciar do que a originou: o caos. Assim a potência dionisíaca seria a expressão do culto à experiência da civilização beirando seu limite, do ir além da civilização. O homem é  invadido por impulsos bárbaros, titânicos, como civilizatórios e aceitação de regras coletivas, como Coloca Barrenechea (2004):
O homem, devido a essa procedência dicotômica, tende tanto para o brutal como para o harmonioso. Ele possui tanto o pathos bárbaro quanto o civilizado, nele habitam tanto a ferocidade destemida do tigre como a mansidão, placidez e autocontrole do sonhador apolíneo.(p.145)
 A civilização não é o oposto da barbárie; ela se sustenta e é ancorada pelos impulsos cruéis, não os excluindo, mas dependendo deles para sua manutenção. 
A partir do pensamento de Mosé (1999) acerca de Nietzsche, ele coloca que o conceito de sujeito é de homem é uma construção histórica e cultural, demonstra que esse homem racional, livre e responsável é uma construção do pensamento. E que se criou uma vontade de verdades de respostas absolutas, de uma necessidade de verdades, que vem desde a Grécia com o socratísmos. Mosé (1999) coloca que essa vontade de verdade nega a vida, limita todas as forças do ser humano.  Contrapondo-se a essa idéia de vontade de verdade vem a vontade de potência, quando esse homem se percebe não mais como um ser racional e ordenado aceita seu caos, sua multiplicidade de forças,  vivenciando-as , não mais se separando do seu corpo e do mundano.
Desse modo, a vida é vontade de potência, um jogo plural de impulsos em luta. Ser livre é viver, abolindo as verdades doadas, destituindo o poder da moral, ignorando a existência do bem supremo, pois essas são estratégias para silenciar as forças dionisíacas, tentando fazer as essências permaneçam mascaradas. Assim tal ruptura só é possível com o patho, com o despertar do mundo caótico. As verdades não são universais, elas surgem em um contexto político-cultural, sendo essas verdades uma necessidade social que busca tornar possível viver em civilização. Não há uma vontade de verdade natural. Existe uma verdade que mascara, que tenta aterrar a pluralidade de instintos e a subordinação da consciência. Mais importante que a verdade é a arte, pois essa não nega as pulsões do homem, apenas acrescenta beleza, estética ao caos. 
O pensamento de Nietzsche através da leitura de Barrenechea (2002) é defendido que o corpo é o fio condutor do conhecimento, desconstruindo a idéia do corpo como substância, não entendendo o corpo como idealismo ou materialismo. Assim encontramos uma valorização desse corpo, das paixões e instintos, que são inseparáveis da condição humana. “O corpo é uma grande razão, uma multiplicidade com um único sentido, uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor.”(NIETZSCHE, 1983.p.51)
Na obra Assim falou Zaratustra, Nietzsche (1983) irá fazer uma forte crítica ao pensamento metafísico, à tradição filosófica e ao cristianismo, pois esses negavam a vida em busca de um transcendental. Todo esse pensamento é embasado na metáfora “Deus está morto” e na “morte de Deus”. Com essa morte ele irá trazer três outros conceitos: o homem, o último homem - niilismo - e o além do homem – Super-Homem.     
  A metáfora Deus está morto quer dizer que não é mais possível no tempo moderno sustentar um fundamento absoluto, infinito e último da existência, todo esse pensamento é a característica própria da racionalidade ocidental. Na modernidade a sociedade não organiza mais sua existência sobre o fundamento último, é admitido que cada membro da sociedade tenha seus próprios fundamentos. A idéia da morte de Deus, Zaratustra comunica aos homens, uma vez que eles não se aperceberam desse fato.
Diante da morte do fundamento absoluto, que embasava toda a construção do conceito de ser homem racional - que compreende o fundamento absoluto - também é perdida, assim se faz necessário que o homem seja superado, emergindo  o super-homem, ou seja, o além do homem. Se já não existe o fundamento absoluto não pode ser sustentado o homem, uma vez que esse perde o seu sentido.
Essa falta de sentido do homem com a morte de Deus vem o niilismo - quer o nada - que consiste na ausência de perspectiva, o além do homem seria a superação do niilismo, buscando um outro o sentido da terra, colocando sua existência como mundana.  Esse homem que não se superou e caiu no niilismo é o último homem, caracterizado pelo desprezo da vida, negação do terreno, do presente, e do corpóreo. Esse último homem que nega a diferença é um rebanho de iguais e sem metas, sem espaço para o inesperado, sem caos dentro de si e anseio, esses seres já não poderão criar.
Nietzsche (1983) coloca que vivemos na época do último homem, um ser que se organiza como se Deus ainda existisse, em um tempo em que Deus já não existe.  Assim com a morte de Deus o homem ou permaneceria em uma existência sem sentido - o último homem - ou se ultrapassaria indo para o além do homem, aquele que é fiel a terra e que tem o caos dentro de si.  O homem assim seria visto como uma transição para o super-homem, pois esse ainda traz consigo o caos. No momento em que não houver mais caos, o homem já não poderá ir além e criar.  Devesse buscar: “Um pouco mais de força, impulso, ânimo, senso artístico: e desejariam ir para além - não para trás!” (NIETZSCHE, 2005.p. 16)
O além do homem não nega suas paixões, essas tornaram virtudes, seu corpo, esse é vontade de potência. Nessa obra ainda temos em um dos discursos as três metáforas: o camelo, o leão e a criança.
O camelo é colocado como o espírito que tudo suporta, a resignação, o sacrifício. Esse passa para o leão que cria para si a liberdade, conquistando o direito de criar novos valores. Rejeitando o deve ser que tudo aceitava para o eu quero, conquistando assim sua vontade de desejar e de ser o senhor de si mesmo, esse leão caracteriza a crise da moral e da lei transcendental.  Por último vem a criança que tem a inocência do novo começo, marcando a passagem do homem para o além do homem. Essa é mais leve pois é capaz de esquecer, tendo mais mobilidade para agir no presente, sendo generosa, ou seja, tendo capacidade de criar ou gerar. Esse novo começo da criança seria justamente o dizer sim a vida, a vivência do caos que existe dentro de si.
Concluo esse trabalho colocando a necessidade de que os homens sejam livres, aceitando que os valores não são eternos, imutáveis, universais, absolutos, mas são produzidos por contextos; que é preciso quebrar ar amarras do niilismo, pois apesar da realidade ser monstruosa e caótica existe a arte para que possamos seguir com sede de vida - lágrimas no rosto e aquarelas nas mãos - precisamos nos permitir sentir a liberdade no sofrer, na vontade de potência, na valorização do corpo e da vida. Como coloca Zaratustra em um fala: todos os deuses estão mortos que venha agora o além do homem. “De tudo o que se escreve, aprecio somente o que alguém escreve com seu próprio sangue. Escreve com sangue; e aprenderás que o sangue é espírito.”(NIETZSCHE,1983.p.56)       





Bibliografia:



BARRENECHEA, Miguel Angel de e PIMENTA NETO, Olímpio José.(org) Assim Falou Nietzsche. Rio de Janeiro: Sette letras, 1999. 

LINS, Daniel (org). Nietzsche e Deleuze: bárbaros, civilização. São Paulo: Annablume, 2004. 

LINS, Daniel e GADELHA, Sylvio (org). Nietzsche e Deleuze: que pode o corpo. Fortaleza: Secretaria da cultura e Desporte,2002.  

MACHADO, Roberto. Nietzsche e a verdade. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. Tradução Paulo César de Souza. São Paulo:Companhia das letras,2005.
__________. Assim falou Zaratustra. Tradução de Mário da Silva. 3 ed. Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 1983.
__________. O nascimento da Tragédia Ou Helenismo e pessimismo. Tradução J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das letras, 1992.



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