domingo, 15 de maio de 2011

O que é a psicose?

Na estrutura clínica da psicose não há o que chamamos de sintomas, já que falar em sintoma requer falar num acordo entre recalque e desejo, implicando assim numa metáfora, mas sim de formações elementares, onde temos os delírios e alucinações, que não são passíveis de interpretação enquanto metáfora por não se apresentar no campo do simbólico. Assim, o discurso delirante do psicótico é do campo do real, sem buracos, um discurso absoluto, que achata o sujeito, onde a crise psicótica ocorre na tentativa de entender esse gozo do Outro. Por não possuir uma castração no simbólico esta aparece no real, podendo, por exemplo, o indivíduo psicótico cortar seu corpo.

A psicose possui três figuras clínicas: A paranóia - o modelo estrutural da psicose, sendo o modelo onde o sujeito há mais disposição para se livrar da condição de objeto de gozo do outro; a esquizofrenia, que é caracterizada diante da passividade maior em relação ao gozo desse grande Outro, onde as alucinações são mais freqüentes; e a melancolia, onde há a identificação do melancólico com o objeto que deveria ter sido perdido, onde a partir da identificação com a perda do objeto o indivíduo se “perde”, havendo forte presença de delírios e um alto índice de suicídio.

Na psicose todas as coisas ocorrem no campo do real, não cabendo assim a interpretação cabível no processo da neurose onde os processos ocorrem no simbólico e no imaginário – assim, o psicótico não tem divisão subjetiva – falta uma “falta”, já que não há a inscrição da castração e, já que o sujeito não tem essa falta, o Outro também não é castrado, não está submetido a lei nenhuma, gerando portanto a idéia de um grande Outro gozador e onipotente que o ataca e o sujeito psicótico se apassiva diante de um grande Outro, onde o psicótico precisa inventar um delírio para barrar esse gozo do Outro, cabendo ao processo analítico a inscrição de uma falta para que esse sujeito não seja apassivado.

Assim, a psicose que para Freud é causada por uma falha no recalque primário, para Lacan (2008) é resultado da foraclusão do Nome-do-Pai, onde o sujeito não recebe significação da Lei e da elisão do falo, onde a castração existe no real do corpo, mas não no simbólico. Dessa forma a grande ocorrência de distúrbios de linguagem entre indivíduos psicóticos surge justamente por sua linguagem ser balizada na ausência da Lei Paterna a qual a linguagem de todos é submetida e a elisão do falo, tendo como conseqüência lógica estrutural os delírios e alucinações, considerando ainda que as crises psicóticas são determinadas comumentes por um ponto de injunção na vida do sujeito.

Finalmente, na psicose o sujeito existe, só não é castrado e consequentemente não possui o significante do Nome-do-Pai. O sujeito barrado é evanescente, funcionando com uma certa soltura das amarrações, mas havendo sempre uma ancoragem na linguagem e a partir disso uma tentativa de conseguir fazer uma inscrição secundária a partir dos delírios, apesar da falta do significante que a organiza.

Levin (2001) surge com uma idéia de Lacan de que na psicose rompe no real o que não pode e nem consegue se inscrever no simbólico.  Através da leitura do pensamento desse autor podemos inferir sobre o que ocorre no corpo do psicótico. Nesse fica depositado o sofrimento e dor onde há indivíduos carentes de criação, sem desejo de gestos e movimentos, ou de fazer qualquer coisa com esse corpo.  O psicótico se vê cansado, se deixando sozinho com esse corpo despedaçado, de um corpo testemunha do real. Podemos definir esse corpo como tencionado no tônus muscular, rígido. Um corpo em que os limites ficam ausentes, partes separadas do todo, não ligadas.

Assim, caberia ao profissional frente a esse corpo não castrado, despedaçado, trabalhar com essa imagem corporal, que se encontra congelada no real, tanta de se coloca um outro lugar no qual se olha.

Essa fala coloca esse corpo no discurso que produz mudanças no esquema e imagem corporal. Busca-se um corpo que não é apenas corpo-coisa, mas tem possibilidade simbólica, aonde esse corpo se sustenta no olhar e dizer do outro, gerando uma área de ilusão. No espaço em que vai se trabalhando deve se ir dando possibilidade a essa imagem coagulada, colocando nela sentido pela palavra. Assim possibilitaria uma transformação da desagregação para uma erogenização e unificação corporal. 

Geralmente todo o investimento sobre o corpo trabalhado e sexuado emerge de uma resposta ao desejo do outro, buscando sempre uma perfeição impossível, pois nós somos seres limitados e invadidos pelo real que não pode ser controlado.Nesse aspecto encontramos pela sociedade uma ardorosa luta contra esse real, onde a estética vem com a função de apaziguar a nossa angústia frente ao real e de esconder a falta inerente à condição de ser humano. Devemos observar que construir uma imagem é ser afetado por ela e é por meio do olhar do outro que se constrói essa imagem. Porém no psicótico a falta não é inscrita caindo diretamente nesse real, não podendo investir simbolicamente para escapar desse corpo real.

Segundo Dor (1991) Quando o recalque originário do significante não ocorre todo o processo de inscrição do Nome-do-Pai é comprometido ou chegando a ser fracassado. A divisão do sujeito o coloca em dependência do simbólico, no sentido de que a estrutura subjetiva é vivida pela ordem do significante.  Essa divisão pode ser entendida como a conseqüência do processo de metáfora do Nome-do-Pai. Assim a foraclusão é a abolição de um significante. Logo quando o Nome-do-Pai é foracluído quer dizer que a metáfora paterna fracassa comprometendo assim assunção da castração simbólica, de um não advento do registro simbólico ocorre nas psicoses.

Assim o psicótico se vê assujeitado a uma relação primária com a mãe, aonde ele continua se constituindo como único objeto de desejo da mãe, ou seja como seu falo. Sendo essa pessoa impossibilitada de se referir ao Pai simbólico, logo esse Pai real não emergiu a instância de Pai simbólico. Dor (1991) coloque que é essa relação simbiótica criança-mãe que impossibilita a inscrição da função paterna. A criança continua submetida a grande onipotência da mãe, não permitindo que o pai faça a lei para a mãe. Logo a criança fica circunscrita no desejo materno uma vez que esse não se refere ao pai. A criança é o falo imaginário, uma vez que é o único objeto de desejo do outro.

Roudinesco e Plon (1998) colocam que o estádio do Espelho designa um momento ontológico do homem, durante o qual a criança antecipa o seu conhecimento e controle sobre sua unidade corporal por meio de uma identificação com a imagem do semelhante e a percepção da própria no espelho. Assim essa fase do espelho não tem a ver com um verdadeiro espelho, mas é uma operação psíquica, na qual o sujeito se constitui por meio da identificação com o semelhante.  

Segundo Lacan (1998) com a idade de seis meses ocorre o fenômeno do bebê repetidamente fascinado diante do espetáculo do espelho. Essa atividade frente ao espelho nos rende até a idade dezoito meses um certo significado no dinamismo libidinal.  Assim compreendemos essa fase do estádio do espelho como uma identificação, como mudanças ocorridas no sujeito quando ele se identifica com uma imagem (imago).  Mais especificamente não forma o eu mas o eu ideal abordado pro Freud por meio da leitura de Lacan (1998), onde assim o sujeito antecipa com a miragem da sua imagem total toda sua potência, aonde essa imagem é mais constituinte do que propriamente constituída.  A função dessa fase do espelho é estabelecer uma relação do organismo com sua realidade. Passando por uma imagem despedaçada até encontrar uma forma de totalidade. Com o fim dessa fase se dá a identificação com a imago do semelhante se ventre em um jogo que liga o eu as situações sociais.

Segundo Rabinovitch (2001) os verdadeiros exilados de seus inconscientes são os psicóticos presos do lado de fora, alheios de si mesmos, da linguagem da sua história, completamente abandonados pelo nome e o pai.  Lacan (2008) em sua obra conceitua a foraclusão como a fratura que colocou-os fora de qualquer inscrição. O psicótico interroga a existência desse Pai, se ver fora do campo fálico, do discurso, desligado da identificação com o pai.  Aquilo que excluído do sujeito retorna no real. O mecanismo próprio da psicose é a foraclusão do significante do nome-do-pai, que desordena as relações entre o real e o simbólico.

O termo Verwerfung, no alemão é visto como barreira, rejeição, abolição simbólica. Lacan (2008) buscou o sentido jurídico do termo de que foracluir é uma pessoa ou coisa é excluída de um lugar para fora do mesmo e uma vez expulso fica trancado para sempre. Foracluir é colocar para fora das leis da linguagem, ou seja, da castração, da metáfora do nome-do-pai. O que é excluído, posto para fora do simbólico, não pode retornar no mesmo como ocorre no recalque, retorna no real. 

Rabinovitch (2001) diz que a foraclusão do nome-do-pai despedaça a rede significante, fazendo um furo, um rasgão. O retorno próprio do recalcado é o sintoma, na foraclusão é a alucinação e o delírio. Esse retorno incidi sobre o corpo do psicótico, se ver infringido do gozo do outro, uma vê que não tem o significante nome-do-pai para barrar esse gozo. Compreender a psicose é adentrar esse mundo próprio dele, em que é marcado por um real esmagador. De uma fala no recalque primário, do significante que não se inscreve que não para de não se inscrever constantemente, em que não ocorre a diferença sexual.  


REFERÊNCIAS:


DOR, Joel. O pai e sua função em psicanálise. Tradução Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.  

FINK, Bruce. O sujeito lacaniano: Entre a linguagem e o gozo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Tradução de Paulo Dias Corréa. Rio de Janeiro: Imago, 2002.

KUSNETZOFF, Juan Carlos. Introdução à psicopatologia psicanalítica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,(2005)

LACAN, Jacques. As psicoses.Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,2008.
                              . Escritos. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1998.




RABINOVITCH. Solal. A foraclusão. Rio de janeiro: Jorge Zahar,2001.

ROUDINESCO, Elisabeth e PLON, Michel. Dicionário de psicanálise . Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:  Jorge Zahar,1998.

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